Homem dos mais destemidos e determinados, o líder camponês Manoel da Conceição Santos, hoje com 78 anos de idade, tem uma história de vida marcada por sua luta em defesa dos camponeses. pois muitos desconhecem e chegam até a não acreditar que a região tenha vivo esse homem que além de ser referência por sua lida na vida camponesa e vítima de tantas torturas, é também um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, sendo, inclusive, o terceiro nome na lista de filiados do partido. Acompanhe nesta página um resumo da trajetória de Manoel da Conceição.
Manoel Conceição começou organizando o sindicato de trabalhadores rurais no vale do Pindaré-Mirim, no Maranhão, posteriormente contribuiu na organização de entidades importantes no cenário nacional como a Central Única dos Trabalhadores - CUT, o Partido dos Trabalhadores – PT e o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural - CENTRU. Por suas ações foi perseguido, preso e torturado na ditadura militar, no exílio em Genebra, se engajou, juntamente com outros exilados, na luta contra governos repressivos.
Após três anos fora do Brasil, retornou e deu continuidade, até os dias atuais, a luta em favor de uma sociedade mais justa. Trabalha com associações e cooperativas, desenvolvendo atividades que visam o aperfeiçoamento dessas organizações e o bem-estar dos trabalhadores.
Manoel nasceu em 6 de junho de 1934 na região de Pedra Grande, no Estado do Maranhão. Sua vida foi marcada pela pobreza, fruto da exclusão político-econômica, nos tempos semelhantes ao do coronelismo, em que o “compadre” da comunidade faz os “favores”, em troca do detrimento da maior parte das terras locais. Além disso, controla o poder de mandar, de escolher, de excluir, cristalizando relações sociais marcadas pelas enormes diferenças.
A família, consequentemente o próprio camponês, conheceu essa situação por mais de uma vez. Entre uma expulsão e outra, sua família chegou à cidade de Pindaré-Mirim no Maranhão em 1962. Mais ou menos nessa época, começou a participar de um curso, visando à formação sindical e cooperativa através do Movimento de Educação de Base (MEB). Com isso, ele se afastou da Igreja, na qual chegou a ser professor na escola dominical e auxiliar de pastor. Com isso, seu envolvimento tornou-se cada vez mais intenso nas lutas sindicais, especialmente na esfera da luta camponesa.
Não por coincidência, Manoel da Conceição, como ficou conhecido até hoje, encontrou um grupo de trabalhadores dispostos a fazer a luta por um “mundo melhor”, em defesa dos interesses dos trabalhadores pobres. Por conta disso, fundaram o primeiro sindicato de trabalhadores rurais de Pindaré-Mirim, no qual Manoel foi o primeiro presidente. Nessa região, o sindicato chegou a aglutinar 100 mil trabalhadores rurais, sendo grande parte deles, atuantes em entidades classistas.
Quando se instaurou o golpe militar em 1964, só no sindicato de Pindaré “havia quatro mil camponeses que incomodavam bastante os fazendeiros da região”, pois não se conformavam com a concentração das terras e suas consequências. Um dos problemas mais comuns entre trabalhadores rurais e fazendeiros na cidade de Pindaré, se dava com o gado invadindo as roças dos camponeses, comendo o arroz, o feijão, o milho, dentre outros plantios.
Cansados desse ocorrido os trabalhadores se juntaram e decidiram denunciar ao prefeito da cidade. Conseguiram, através de pressões, uma lei municipal que coibisse essa prática, bastasse os trabalhadores avisarem quando o gado invadisse suas terras que a prefeitura tomaria providências. Assim os camponeses fizeram por um bom tempo sem perspectiva de resolução prática do problema.
Foi nesse momento que os trabalhadores rurais resolveram tomar suas próprias atitudes, matando o gado que destruía as roças, a carne era dividida entre as famílias. Com essa atitude “o sindicato passou a chamar a atenção das autoridades”. Logo após o Golpe Militar, o Governo mandou fechar a entidade, colocando-a na clandestinidade, sabendo da resistência, o governador utiliza vários recursos para tentar intimidar os trabalhadores, principalmente a violência física como as comuns prisões e espancamentos ocorridos.
Mané, como gosta de ser chamado, foi uma das mais perseguidas vítimas do Regime Militar em Pindaré e no Brasil. Como presidente do sindicato, já pela segunda vez, trouxe um médico para sua cidade, objetivando dirimir algumas doenças, principalmente a malária.
Logo no primeiro dia de consulta de João Bosco, médico de São Luís, a polícia chegou invadindo o local e atirando, chamaram o presidente do sindicato, que irritado com a situação, chegou a se agarrar com um sargento da polícia, derrubando-o no chão, de repente outro policial chegou atirando, foram três tiros de revolver no pé esquerdo e dois tiros de fuzil no pé direito, seu membro ficou tão mutilado que não foi possível recuperá-lo.
Isso foi um dos principais motivos para sua viagem à capital, essa transferência foi feita de avião, pois o Governador do estado visava o mais rápido possível amenizar a situação, o policial que havia atirado no pé de Mané, com medo de retaliação dos camponeses afirmou que tinha sido o prefeito e o governador, José Sarney, que o mandaram fazer tal atitude.
Além do tratamento médico, segundo o camponês, Sarney ofereceu cargos políticos e dinheiro em troca de apoio, mas a proposta foi rejeitada. Amputada a perna e feito um melhor tratamento, depois de alguns meses fora resolveu voltar para a sua cidade, junto aos trabalhadores rurais. Os que pensaram que uma perna a menos seria motivo para intimidação, não contaram que isso serviu como um motivo a mais para intensificar a luta em defesa dos trabalhadores. “Minha classe é minha perna”, esse foi o lema de Mané, que ficou internacionalmente conhecido.
No ano seguinte sua perna ainda não estava completamente recuperada, então os trabalhadores fizeram uma arrecadação para um melhor tratamento na cidade de São Paulo. Na mesma época, por meio de entidades de esquerda em nível nacional, Manoel realiza uma viagem em alguns países da Europa, Oriente Médio e China. Nessa viagem passou nove meses, na qual fez um curso de guerrilha na China. Visitou o país observando sua experiência política, chegou à ocasião de ser recebido por Mao Tsé-Tung, um dos principais líderes da revolução comunista chinesa ocorrida em 1949.
Sua viagem à China, para o regime militar significou uma possível proliferação das idéias socialistas no país, principalmente para as zonas mais castigadas pela concentração de riquezas e de privilégios no país. De fato significou, e os meios de comunicação ligados à ditadura sabiam bem disso. Uma tentativa de destruição da imagem perante a opinião pública fazia parte de um projeto de desaparecimento não só da imagem, mas do próprio corpo, como de fato aconteceu com milhares de lideranças em todo o país.
Ao levantar a bandeira de acabar com as desigualdades sociais, econômicas e políticas, por levantar a bandeira de uma sociedade mais justa, ninguém poderia escapar a antipatia daqueles que fariam qualquer coisa para manter a situação de privilégios para as minorias. O objetivo era conseguir sufocar lentamente, até o completo fim dos grupos oposicionistas. De forma compassada, pretendiam ludibriar a opinião pública internacional.
Foi detido em junho de 1972, ficaria na capital São Luís, entretanto, imediatamente, o levaram para o Rio de Janeiro, um local de tortura clandestino do governo, nesse local passou alguns meses, nos quais sofreu as piores torturas possíveis. A primeira ação dos torturadores foi tirar a perna mecânica a fim de limitá-lo em movimentos simples. Em seguida, vários tipos de tortura: choques, espancamento e pressões psicológicas.
Cenas como essas e muitas outras piores, se repetiram várias vezes, quando a vítima se encontrava próximo de não aguentar mais, eles o levavam ao hospital, lhe davam banho de gelo para espalhar o sangue roxo provocado pelas pancadas. Uma vez o colocaram com outro preso político e Manoel pediu a ele que espalhasse a notícia de que estava nas mãos do governo. Até então ninguém sabia ao certo seu paradeiro, não sabiam se realmente estava vivo ou morto. Foi realizada uma intensa campanha em favor de sua liberdade (e de outros presos) em todo o país e por algumas partes do mundo.
A campanha em defesa de Manoel da Conceição chegou a várias partes do mundo, formaram-se vários comitês, especificamente 18 nos Estados Unidos pelas Igrejas Evangélicas, da mesma forma, a Igreja Católica em países da Europa: Inglaterra, Itália, Suíça, França e Alemanha. De todas essas localidades, enviavam-se cartas ao governo Médici, clamando pela liberdade de presos como Manoel da Conceição. Em uma dessas centenas de cartas que o governo recebeu, estava um telegrama enviado pelo Papa Paulo VI conclamando pela vida e pela liberdade do camponês maranhense.
O histórico de vida de Manoel da Conceição é marcado por luta e torturas em defesa dos camponeses
Em 1975, o líder camponês saiu da cadeia, logo após ter sido condenado a três anos de prisão pela auditoria militar, além dos direitos políticos suspensos por uma década. Os direitos políticos não eram tão interessantes para Manoel naquele tempo, pois nem mesmo tinha documento para votar, enquanto aos três anos de condenação, já estava a mais de três anos preso, o que restou foi sua soltura. Depois disso, sua advogada recorreu ao Superior Tribunal Militar e lá não encontraram nenhuma prova das acusações que fizeram contra ele, ironicamente foi absorvido. Logo após a liberdade, foi para São Paulo fazer um tratamento médico, pois os espancamentos, bem como outras formas de torturas, marcaram somática e psiquicamente a pessoa de Manoel da Conceição.
Manoel chegou a ficar sob proteção das Igrejas católica e presbiteriana, além da proteção da Anistia Internacional. Essas entidades prepararam todas as condições necessárias à partida de Manoel ao exterior. Genebra, capital da Suíça foi o local propício para o exílio, como de fato aconteceu em março de 1976.
Ao chegar à Suíça, Manoel se engajou nas lutas de acordo com as condições disponíveis. Entre 1976 e 1978 trabalha para aglutinar os sindicalistas que estavam na mesma situação de refugiados em vários países europeus.
A criação de um partido político criado e dirigido por trabalhadores deveria ser uma alternativa recomendável, foi o que fizeram os primeiros fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), dentre eles, Manoel da Conceição, terceiro filiado do partido, e muitos outros pelo Brasil afora. Manoel acompanhou especialmente a fundação do PT no nordeste que começou pelos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba. Sua atuação, especialmente, se intensificou mais nessa Região, foi o primeiro presidente em Pernambuco em 1982, antes, foi o segundo vice-presidente no estado de São Paulo. No mesmo ano em que foi presidente do partido em Pernambuco se colocou a disposição para ser candidato a governador do estado. Um conjunto de fatores impediu Manoel da Conceição chegar a uma vitória nessa eleição.
Além da vida política, Manoel participou diretamente da criação de sindicatos e cooperativas.
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